Laelia purpurata: a rainha das orquídeas brasileiras
Ela é a rainha das orquídeas brasileiras. Seus admiradores não sabem ao certo a razão de tanto fascínio. Pode ser o colorido, a forma, as variedades raras, a quantidade e o tamanho das flores, ou mesmo a substância e a textura. Trata-se da Laelia purpurata que, de tão especial, seus fãs recebem o carinhoso apelido de purpurateiros.
Bastante estudada e explorada comercialmente, é muito representativa em território nacional e se tornou a flor símbolo do estado de Santa Catarina e de várias associações orquidófilas, sendo também tema de algumas exposições do Sul e Sudeste que ocorrem nos meses de novembro e dezembro para comemorar a floração.
Sua descoberta aconteceu em 1847, quando o francês François Devos a coletou, juntamente com plantas de outras espécies e gêneros, na Ilha de Santa Catarina (hoje, Florianópolis). A amostra foi levada à Europa para ser analisada pelo botânico inglês John Lindley que, por volta de 1852, a nomeou Laelia purpurata. Desde então, sua qualidade espetacular encanta colecionadores do mundo todo.
CARACTERÍSTICAS RARAS
Seu habitat abrange uma extensa faixa litorânea, que vai do sul do Rio de Janeiro até o sul de São Paulo, sofrendo uma interrupção em todo o Paraná, e voltando a aparecer do norte de Santa Catarina até a cidade de Viamão, RS. “A zona de ocorrência fica afastada, no máximo, 20 km da praia. Porém, surgiu um núcleo a uma distância de cerca de 75 km da beiramar, no distrito de Lomba Grande, pertencente a Novo Hamburgo, RS. Neste local foram encontradas plantas famosas, como L. purpurata russeliana delicata, L. purpurata sanguinea ‘Mentz’ e L. purpurata flamea ‘Kassel’, afirma o orquidófilo Manfredo Hübner, de Garopaba, SC.
Segundo Miguel Rodrigues Leite, orquidófilo, de Porto Alegre, RS, esta espécie costuma vegetar em rochas e matas dispersas, ou seja, adapta-se facilmente a ambientes distintos, desde que exista alta umidade do ar, ventilação e boa luminosidade. Normalmente é epífita, fixando-se no alto de grandes árvores, mas também pode ser rupícola e, em alguns casos, terrestre.
Em relação à morfologia, José Carlos Budny, proprietário do Orquidário Budny, de Içara, SC, comenta que possui pseudobulbo robusto, alongado em forma de fuso e um pouco comprimido, além de contar com a parte inferior fortemente articulada. “Suas folhas são grandes, medindo de 25 a 45 cm de comprimento, eretas, rígidas, estreitas (com 4 a 9 cm de largura), levemente côncavas e um pouco coriáceas. Na face superior são lisas e intensamente verdes”, esclarece.
O maior atrativo desta planta são as flores, na maioria das vezes, brancas, rosadas e vermelhas. À primeira vista, o que mais chama a atenção é o tamanho, atingindo cerca de 15 cm de diâmetro. Budny adiciona ainda que são bem projetadas e com boa distribuição, surgindo de quatro a dez por pedúnculo. O labelo, na parte inferior, é rígido, ereto ou inclinado e bastante recurvado na ponta, tendo entre 6 e 8 cm.
Porém, o grande destaque está no colorido. Embora as mais encontradas sejam tipo (rosa com púrpura), carnea (branco com cereja) e roxo-violeta, existem inúmeras tonalidades – algumas comuns a outras orquidáceas e outras restritas apenas à L. purpurata, como ardosia, russeliana e canhanduba. Há ainda uma gama de variedades classificadas conforme a forma do colorido, por exemplo, anelata, argolao, mandayana, reginae, atro, entre outros.
Leite lista entre as mais requisitadas carnea, sanguinea, aço e rubra, além das descendentes da L. purpurata striata ‘Milionaria’.
Com o melhoramento genético, suas flores que duravam 15 dias passaram a permanecer abertas por cerca de um mês. A floração é anual, concentrando-se na Primavera e no Verão, mas, entre os purpurateiros é recorrente dividi-la em três períodos. “As plantas ‘do cedo’ foram coletadas no litoral norte de Santa Catarina e florescem em torno do dia 15 de novembro, época da tradicional Festa das Flores de Joinville. As chamadas ‘da época’ são nativas de uma grande área litorânea ao sul de Santa Catarina e ao norte do Rio Grande do Sul, com florada no início de dezembro. E, finalmente, as apelidadas de natalinas surgiram na região de Lomba Grande e florescem do Natal até meados de janeiro”, detalha Hübner.
Como se não bastassem tantos diferenciais, ele acrescenta que as flores ainda apresentam uma fragrância única e incomparável. “Ela é fascinante tanto pelos variados e raros coloridos, como pelo agradável perfume. É uma planta indicada para colecionadores exigentes e apaixonados.”
Budny acredita que a L. purpurata possui uma extraordinária combinação de beleza, tamanho, aroma e cor, fazendo com que esta seja uma das orquídeas mais cobiçadas e apreciadas não só no Brasil, mas no mundo, principalmente em países como Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha.
GARANTIA DE BELEZA
Como dito anteriormente, esta espécie vegeta em locais com alta umidade do ar, ventilados e bem iluminados. Sendo assim, é importante proporcionar as mesmas condições no ambiente doméstico, usando-se sombrite de 50 a 70%, dependendo da região, e mantendo a circulação de ar adequada e com distanciamento entre os vasos. Em períodos de escassez de chuva, recomenda-se molhar o chão do orquidário diariamente para elevar a umidade.
Leite afirma que a rega pode ser feita em dias intercalados e, durante o Verão, indica borrifar água na planta para baixar a temperatura.
O profissional do Orquidário Budny revela que, de modo geral, o trato é fácil, porém, deve-se respeitar sua exigência em relação ao clima, já que suporta temperaturas entre 5 e 35°C, mas precisa de uma temporada com noites frias (em torno de 10°C) para florescer bem. Esta é uma das razões para que dificilmente emita flores quando cultivada no Norte e Nordeste do Brasil.
Em contrapartida, possui ótimo desenvolvimento em lugares frios, ficando mais restrita aos estados do Sul, São Paulo e partes de Minas Gerais e Rio de Janeiro. “Há poucos anos fui convidado para dar palestras sobre a L. purpurata na Alemanha, na cidade de Bremen, e na Suíça, em Zurique. Foi durante o mês de maio (Primavera na Europa) e fiquei impressionado como eles a cultivavam bem. A floração estava lindíssima”, ilustra Hübner, ao dizer que o interesse era tanto que foi fundado na Alemanha um clube com o nome Purpurateiros.
Essencial para garantir belas floradas, a adubação é uma das peças-chave no cultivo e cada especialista tem seu método particular. O orquidófilo de Porto Alegre percebeu que suas plantas não estavam respondendo bem ao NPK 20-20-20 e está fazendo uma experiência, por enquanto bem sucedida, com a mistura de dois adubos foliares NPK 13-45-13 e 6-12-36, na proporção de 50%, e aplicado a cada 15 dias. “Se a opção for pelo 20-20-20, pode-se usar um produto com alto teor de potássio (K) três meses antes da floração e ainda trimestralmente realizar adubação orgânica, com uma parte de farinha de osso, quatro de torta de mamona e uma de cinza”, elucida.
Budny aconselha para exemplares pequenos alternar fertilizante para crescimento (por exemplo, NPK 30-10-10) e de manutenção, como NPK 20-20-20. Nos adultos, é melhor apostar no de manutenção intercalado ao de floração, como NPK 1030-10. Em ambos os casos fazendo a aplicação quinzenal. “Experimentei vários, mas o melhor resultado até agora foi com o bokashi, utilizando meia colher (sopa) a cada 60 dias. Ele tem dado certo levando em conta que meu orquidário é coberto com plástico e sombrite.”
Outro fator que precisa ser considerado é o substrato. Mas, é válido estudar as características do orquidário antes de escolher o material e tipo de vaso. “Os recipientes de cerâmica absorvem mais umidade e secam muito rápido, então, a orquídea necessita ser irrigada com mais frequência do que quando está disposta nos de plástico. Nos dois casos é importante colocar brita no fundo como dreno e o substrato pode ser igual, como casca de pinus tratada misturada com carvão, e musgo”, diz Hübner.
Há outras combinações de materiais nas quais a L. purpurata pode ser plantada, por exemplo, pedrisco com esfagno ou pedrisco com casca de pinus e carvão vegetal. “Como meu orquidário tem cobertura impermeável, uso vaso de plástico com quatro partes de saibro, quatro de casca de pinus média e duas de carvão. Existe ainda a possibilidade de fixá-la em troncos de árvore, imitando seu comportamento na natureza”, completa o especialista gaúcho.
Embora seu sistema radicular seja robusto, o excesso de rega pode causar apodrecimento. Neste caso, ele dá uma dica importante. “Basta plantá-la em um recipiente cerâmico com esfagno puro, mas sem apertar, pois o primordial é manter a aeração. Em dois meses, ela estará recuperada.”
Muita umidade acarreta também outro problema: o aparecimento de pragas e doenças. Cochonilha, caramujo, pulgão, broca do rizoma e tentecóris são os mais comuns, sendo necessário empregar inseticidas, de preferência, de baixa toxicidade ou naturais.
Esta condição pode favorecer o ataque de bactérias que causam antracnose e podridão-negra, devendo ser combatidas com bactericidas receitados por um profissional qualificado.
Sabe-se que uma das preocupações dos colecionadores é o período de dormência, porque a maioria das orquídeas não suporta ser manuseada durante esta fase. A L. purpurata é uma exceção, já que pode ser cortada e replantada em qualquer época do ano, evitando, é claro, a de floração ou de emissão de novos brotos.
O proprietário do Orquidário Budny sugere que o transplante seja realizado cerca de 30 dias após a florada. “Para isso, é preciso desenraizá-la do vaso, retirar as raízes velhas e limpar bem a planta. Para acomodá-la no novo recipiente, que deve conter furos no fundo para facilitar a drenagem da água, é necessário encostar a parte traseira do rizoma na parede do vaso, deixando a dianteira com espaço livre. Depois, basta preencher com o substrato”, ensina.
SUCESSO
Com tantos predicados, não é surpresa que a L. purpurata seja bastante cobiçada em hibridações e melhoramentos. Hübner esclarece que seu manejo em laboratório teve início na década de 1970, com a intenção de obter flores bem formadas e coloridos acentuados. Alguns clones famosos são L. purpurata striata ‘Milionaria’, L. purpurata roxo-violeta ‘Crente’, L. purpurata oculata ‘Pedreira’ e L. purpurata josephinae ‘Knoll’.
O especialista finaliza fazendo menção ao comentário de Otto Georg, um purpurateiro do Rio Grande do Sul: “Esta espécie teve duas grandes fases. A primeira, nos primórdios, quando foi descoberta; e a segunda, com o surgimento de uma planta extraordinária conhecida como ‘Milionaria’”. Dentre seus principais atributos, está o colorido, as estrias, as pétalas redondas e uma pequena característica de tetraploide. Usada como matriz, deu origem a uma grande quantidade de flores bem formadas e suas ‘filhas’ continuaram evoluindo, tornando-se cada vez melhores.